Nem temos uma situação macroeconômica fora do controle, nem um sistema financeiro desregulado” – afirma o “Estudo sobre a existência ou não de ‘bolha’ no mercado imobiliário brasileiro”, preparado em julho pela consultoria MB Associados, a pedido da Abecip, explicando porque o País não se enquadra entre os sujeitos a uma bolha imobiliária. Recheado de dados sobre o comportamento do mercado de crédito imobiliário no Brasil e as avaliações sobre bolhas feitas por economistas com prestígio internacional – como Robert Shiller, Nouriel Roubini e o Prêmio Nobel Joseph Stiglitz –, o texto aprofunda-se na análise da mais recente bolha no mercado imobiliário norte-americano, mostrando as enormes diferenças entre aquele fenômeno e a situação que predomina no mercado de imóveis no Brasil.“A conclusão básica deste trabalho é que não parece haver subsídios para acreditar que exista bolha imobiliária neste momento na economia brasileira”, afirmam os redatores na Introdução ao estudo. A rigor, enfatiza o capítulo final (Conclusão): apenas quando uma bolha “estoura pode se concluir que houve ou não tal evento”, mas “há indicações indiretas numa economia que podem sinalizar a criação desse tipo de crescimento anômalo de preços”. E, prossegue o estudo, sem uma regulação financeira enfraquecida e uma situação mcroeconomia muito expansionista, “sem esse tipo de comportamento que Shiller considera como o acelerador das bolhas, não poderia acontecer” uma bolha no Brasil. O trabalho é uma peça de análise rigorosa, que reconhece que as informações primárias são limitadas – faltam levantamentos confiáveis e amplos de preços de imóveis no Brasil –, e, por isso, dá ênfase às informações qualitativas e às bases de dados de crédito imobiliário (compiladas na Abecip), que são atuais e “podem ao menos dar indícios do comportamento recente do setor”. Dividido em capítulos, aborda a teoria das bolhas imobiliárias, os exemplos internacionais, a experiência brasileira e as estimativas de evolução do setor imobiliário.A teoria das bolhasimobiliárias – O que caracteriza uma bolha imobiliária? Uma bolha existe, segundo o Nobel Stiglitz, se a razãopela qual o preço é alto hoje decorre apenas da crença dos investidores ou compradores de que o preço de venda será maior amanhã– quando os fundamentos não parecem justificar tal preço. “Em outras palavras – segundo o estudo da MB Consultores –, quando há descolamento das causas básicas de movimentos de preços na economia, ou seja, de oferta e demanda, apenas as expectativas da própria variação de preços comanda a evolução desses preços hoje; levando a uma espiral de elevação contínua até que algum fator econômico ou não estoure a bolha”.Mesmo indivíduos racionais podem tomar decisões erradas, ao levar em conta o que os outros estão fazendo. Esse “comportamento de manada torna difícil mesmo a indivíduos com algum grau eficiente de informação determinar a existência ou não de bolha”. Outra dificuldade diz respeito aos incentivos à tomada de decisões. Segundo o Nobel de Economia Kenneth Arrow, “dados os incentivos (tais como os bônus distribuídos em tempos de vacas gordas, sem devolução na fase de vacas magras), os agentes estavam, de fato, agindo irracionalmente”. Os sinais de bolha, segundo Shiller, são: fortes aumentos de preços, grande excitação pública com os aumentos de preços, frenesi da mídia acompanhando aumento de preço, histórias de pessoas que ganharam muito e interesse crescente do público em geral pelos ativos em alta. Outros dois sinais são o surgimento de teorias sobre uma “nova era” – que seria capaz de justificar aumentos de preços sem precedentes, o que faz lembrar os discursos do ex-chefe do Fed, Alan Greenspan, sobre os enormes ganhos de produtividade decorrentes do uso maciço da tecnologia da informação. E, além disso, um declínio na qualidade das informações que levariam à concessão de créditos sem entrada ou com prazos excessivos. Reconheça-se, não é pequena a tentação dos agentes econômicos de incorrer nesse equívoco. Exemplos internacionais– Bolhas não existem, alerta o estudo, sem condições econômicas concretas. O exemplo norteamericano “demonstra como um afrouxamento dos padrões de regulação, culminando com empréstimos em larga escala, ajudaram na escalada da bolha. Vale lembrar que bolhas não se formam da noite para o dia, são eventos formados por uma conjuntura de longo prazo”. Nos Estados Unidos, no final da dcada de 80, estiveram presentes a crise das savings and loans, o enfraquecimento do aparato regulatório, o fim da Lei Glass-Steagel (que abriu espaço para as fusões entre bancos comerciais e de investimentos) e o florescimento das operações de securitização, que substituíram os depósitos de poupança como principal instrumento de oferta de crédito imobiliário. “Em outras palavras, o sistema financeiro americano chegou na década de 2000 sem muitas amarras regulatórias, o que era desejo das equipes econômicas de Reagan a Bush”, afirma o estudo. Mas, além da liberalização financeira, houve um substancial aumento da liquidez, com taxas baixas de juros durante muito tempo, levando “o sistema bancário à busca de ativos de maior retorno”. A demanda por ativos de risco cresceu mais do que a oferta dos setores corporativo e imobiliário e “as instituições financeiras começaram a buscar mecanismos para gerar ativos triple-A”. Como explicou Ricardo Caballero, “os empréstimos subprime eram os próximos, mas para que fossem gerados ativos ‘seguros’ desses empréstimos, os bancos tiveram que criar instrumentos complexos fazendo tranches dos seus passivos”. O mecanismo do subprime “permitiu que ativos podres fossem agregados a ativos de melhor qualidade em tranches que formavam derivativos supostamente seguros”. A securitização não se limitou aos ativos imobiliários, chegando a operações com automóveis e empréstimos estudantis. Refletindo o valor criado pelos novos instrumentos financeiros, “os preços dos imóveis e de outros ativos começaram a subir”, criandose um círculo vicioso “que parecia justificar o aumento das tranches de pior qualidade dentro dos pacotes triple-A criados”. Ao mesmo tempo, as agências de rating contribuíram para esse círculo vicioso, por não apontarem a baixa qualidade dos créditos concedidos; as seguradoras já não tinham capital suficiente para enfrentar uma crise; e tornou-se difícil precificar os pacotes financeiros, que misturavam “vários ativos de diferentes qualidades”.
E “muitos desses ativos, atraídos pelo baixo requerimento de capital pelas tranches sênior e super-sênior, foram mantidos dentro dos bancos, o que foi seguido pelos principais centros financeiros da Europa”.Nunca antes na história do mundo o sistema financeiro ficou tão interligado – e os riscos foram tão grandes. E assim a ruptura da bolha, iniciada em 2006 com os primeiros sinais de queda dos preços dos imóveis, provocou uma p a r a l i s a ç ã o geral na securitização. Mas, como afirma o estudo da MB Associados, é preciso “ter em mente que o estouro da bolha foi o gatilho da crise, mas ela por si só não teria levado a crise dessa magnitude. O problema foi a falta de confiança generalizada no sistema financeiro que paralisou o crédito e o processo decisório macroeconômico durante algum tempo”.Concorreram para a mais grave crise imobiliária da história um sistema de securitização “tão fora da alçada de regulação”, a venda de hipotecas a quem não tinha condição financeira mínima para pagá-las e regras do mercado subprime, tais como as cláusulas que previam o reajuste das taxas de juros dois anos após a assinatura dos contratos de empréstimo à moradia. “Quando as taxas de juros começaram a subir dos seus níveis historicamente baixos, a inadimplência no subprime começou, tornando-se o estopim da crise financeira”.Securitização não é vilã – Mas, enfatiza o estudo, “o vilão da história não é a securitização”, que “foi essencial e continuará sendo essencial para o desenvolvimento de qualquer mercado de ativos”, mas sim uma conjunção de fatores, especialmente liberalização financeira e políticas macroeconômicas muito expansionistas.Nos anos 80, a Suécia e a Inglaterra viveram situações de boom imobiliário, mas apenas na Suécia houve desequilíbrio macroeconômico, não na Inglaterra. Em Hong Kong, onde os preços dos imóveis incluem-se entre os mais altos do mundo, houve controle dos índices de inadimplência “porque a maior parte dos compradores é de classe média e ainda se exige um alto valor de entrada no pagamento do imóvel”, além de regras rígidas de concessão de crédito – exatamente ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos.A experiência brasileira – O estudo deixa claro que seria mais fácil analisar as condições brasileiras se existissem estatísticas confiáveis e amplas sobre o comportamento histórico dos preços. Para contornar esse obstáculo, foram analisadas as condições indiretas da economia – e elas são consideradas favoráveis pela MB Associados. A trajetória é sustentável, “sem riscos macroeconômicos relevantes”, enfatiza o texto. A perspectiva é de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 4,5% a 5% ao ano até 2015. Não há sinal de mudança de trajetória de política econômica, como liberalização financeira e taxas de juros excessivamente baixas. Os bancos passaram por ajuste após o fim da hiperinflação e, hoje, têm baixa alavancagem (o capital é da ordem de 18% dos ativos, embora essa relação pudesse ser de 11%, pelas regras da Basiléia). A regulação prudencial foi reformulada e o Banco Central dispõe de informações sobre a carteira de crédito das instituições. Com tais informações, o BC tem condições de evitar situações de risco sistêmico. Os depósitos compulsórios podem ser utilizados em momento de falta de liquidez, como ocorreu em 2008, evitando que instituições “mais fragilizadas” contaminassem o resto do sistema e dando tempo para se readequarem. Sobretudo, como o mercado secundário é incipiente – ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos –, “a maior parte do financiamento ainda é feita pelo SFH, o que vale dizer que toda a carteira de crédito tem que estar contabilizada no ativo do banco”. Dada a estrutura de financiamento, “fica difícil imaginar os bancos correndo riscos temerários, o que diminui enormemente a possibilidade desses créditos gerarem inadimplência”. As bolhas só estouram quando os preços dos ativos caem abruptamente, reduzindo o valor das garantias. Como a relação crédito imobiliário/PIB é de apenas 3%, “ficaria difícil imaginar que uma desaceleração dos preços dos imóveis pudesse trazer prejuízos significativos para o sistema bancário brasileiro”, afirma o estudo. Os juros altos, objeto da reclamação dos devedores, acabam ajudando a evitar a formação de uma bolha – “a Selic ainda é cara para o tomador e deveríamos ter vários anos seguidos de custo do dinheiro baixo para fornecer espaço para o crescimento de outros preços de ativos”.Uma questão relevante diz respeito à relação entre a evolução dos preços dos imóveis e da renda pessoal. “A diferença fundamental (em relação ao que ocorreu nos Estados Unidos) é que há um processo de crescimento forte da demanda na economia brasileira em vista do forte aumento da classe média nos últimos anos, considerados aqueles que ganham entre 3 e 10 salários mínimos por mês”. E a perspectiva de aumento da classe média continua, pois “mesmo com a entrada de cerca de 29 milhões de pessoas na classe média, devemos ter mais 20 milhões de pessoas entrando nessa categoria até 2015”. Também deverá aumentar, prevê o estudo, a participação das classes A e B – e a classe B é relevante em termos do potencial de consumo imobiliário. A MB Associados avalia a demanda anual média de habitações de cerca de 1,5 milhão de unidades (para a classe média) e cerca de 180 mil (para a classe B). “Se há uma demanda crescendo num ritmo mais forte que a oferta, é natural que haja pressão de preços. E isso pode ficar ainda mais visível em cidades relevantes como São Paulo e Rio de Janeiro”.Estudos internacionais demonstraram que em cidades consideradas “superestrelas”houve apreciação consistente e acima da média do valor dos imóveis “ao longo de mais de 50 anos”. Em síntese, os preços dos imóveis localizados em São Paulo tenderão a subir até 2015.
Estimativas de evolução do setor imobiliário – Os preços dos imóveis tendem a subir. Mas “a bolha começa a se tornar um problema quando o orçamento familiar não permite pagar a prestação do imóvel” – e o estudo considera razoável que as pessoas destinem 30% da renda para pagar a prestação. Com base em estimativas do sindicato da construção (Secovi), considerando um financiamento de 80% do valor do imóvel e taxas de juros de 11% ao ano, em geral e 9%, para os imóveis econômicos, “o crescimento da renda poderá comportar o crescimento dos preços dos imóveis sem implicar perdas na capacidade de pagamento das famílias”. Esse argumento – enfatiza o estudo – “é fundamental para a análise de bolha, pois uma das implicações é que a economia precisa continuar tendo perspectiva positiva de crescimento de renda e PIB para poder comportar aumentos significativos de preços de imóveis, diferente do que aconteceu nos exemplos citados” no exterior.
(Fonte: Revista do SFI)
Nenhum comentário:
Postar um comentário